sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O poeta-operário

Grita-se ao poeta:
“Queria te ver numa fábrica!
O que? versos? Pura bobagem!

Para trabalhar não tens coragem.”
Talvez ninguém como nós ponha tanto coraçãono trabalho.
Eu sou uma fábrica.
E se chaminés me faltam talvez sem chaminés
seja preciso ainda mais coragem.

Sei.
Frases vazias não agradam.

Quando serrais madeira é para fazer lenha.
E nós que somos senão entalhadores a esculpira tora da cabeça humana?
Certamente que a pescar é coisa respeitável.
Atira-se a rede e quem sabe?
Pega-se um esturjão!
Mas o trabalho do poeta é muito mais difícil.
Pescamos gente viva e não peixes.

Penoso é trabalhar nos altos-fornos onde se tempera o ferro em brasa.
Mas pode alguém acusar-nos de ociosos?
Nós polimos as almas com a lixa do verso.

Quem vale mais:
o poeta ou o técnico que produz comodidades?

Ambos! Os corações também são motores.

A alma é poderosa força motriz.
Somos iguais.
Camaradas dentro da massa operária.
Proletários do corpo e do espírito.
Somente unidos,
somente juntos remoçaremos o mundo,
fa-lo-emos marchar num ritmo célere.

Diante da vaga de palavras levantemos um dique!

Mãos à obra!
O trabalho é vivo e, novo!
Com os aradores vazios, fora!
Moinho com eles!
Com a água de seus discursos que façam mover-se a mó!


Vladmir Maiakoviski (1893 1930)



quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Salga,arde

Salga,arde

Pelo mesmo que custou meu suor
foi o preço da cobrança obscena.
Sim,estigado sempre a querer coisa maior
neguei ser eu ,que sempre me tive pena.
Mais- Valia ter pensado em visto
Mais-Valia ter sorrido
Mais-Valia ter pensado
Mais-Valia ser ousado.
Sugar,sugar,suar,suar
quanto vale a cobrança obscena
quanto vale meu tempo fora de ar
mais,menos,mais que resolver o problema.
Dividam-se os blocos,então
mão ,suor,mão,suor
Divida-se a única intenção
mão,suor,mão,suor.


Igor Gacheiro...
(Produzido logo após um CFS I)

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

EM DEFESA DA RAIVA JUSTA

(Para as companheiras da Via Campesina)

Destruíram tudo!
Cada semente,
anos de experiências,
cada descoberta,
cada inovação.

Tudo foi pisoteado,
Com raiva,
com ódio,
Com desprezo,
irresponsavelmente...

Que desconsideração.

Não eram mais que brotos,
Mudas de futuro frágeis,
sonhos que germinavam,
sementes que ansiavam crescer.

Como é possível destruir mais de vinte anos
mais de vinte anos de esforços e sacrifícios?

O governo Lula destruiu vinte anos de sonhos
e sementes de mudas de futuro!

Que desconsideração.

Ainda bem que temos mulheres
viveiros de sementes preservadas.
Ainda bem que mulheres camponesas
ainda miram o inimigo e atacam

Com raiva
Com ódio
Com determinação
Elas carregam nossos vinte anos
no ventre fecundo
elas salvam nossas sementes
do solo infértil da acomodação.


Mauro Iasi - Abril de 2006

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Conselhos democráticos


Vote!!!

Vote consciente, vote certo
Vote por interesse,
Ou vote por protesto
Vote por crença,
Vote por afeição
Vote por amizade,
Ou por centralização
Vote!!!

Pouco importa qual sua razão
Vote!!!
Seja por ideologia, Seja em troca de pão
É chegado seu grande dia
Faça valer a democracia,
vote!!!
Exerça sua cidadania

Seja cordeiro,
Digo,
Seja ordeiro... e reto

Vote consciente, vote certo!!!

Independente ao resultado
Consolide a democracia
Exerça sua cidadania

As urnas cidadãos!!!

No dia X e na hora H,
Este é o seu momento
Sua (única) parte no espetáculo
Do (nosso) crescimento

Tenha em mãos números
E na cabeça um candidato
É, o seu momento, é sua grande cena
É de grande importância
Não tome por coisa pequena

Vote consciente, vote certo!!!
Depois volte pra casa
E deixe conosco o resto
Decidir os rumos da vida
Não é coisa de gente amena
Volte pro futebol, boteco
Loura-gelada e toda a sua alegria
Durma bem, e até outro dia

Daqui mais quatro anos
Te convidamos
Para outra grande festa
Mais um show de democracia

Fábio Che e Fernado Coelho

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Sufrágio universal


I

A política, todos sabem,
É quem a tudo define

A miséria não cessa se não por decreto
E a fome só se acaba, se contra ela,
O parlamento assinar um veto
E tudo é uma questão de vontade política,
Secundário são os atos concretos


Portanto escolha o salvador,
Cuide para que seja eleito
E através de seu voto-livre-e-direto, assegure
Que a humanidade esteja finalmente no rumo certo


II

Entretanto meus amigos,
Há infames que nada sabem
Acerca do que lhes digo

Negam que "A voz do povo é a voz de Deus"
Antes fossem apenas ateus, mas
negar-se a democracia???
Vândalos, baderneiros homens de alma vazia.

Propagam indubitável uma blasfema-heresia
Dizem que o Estado-Burguês é autônomo,
E que sob direção de esquerda ou de direita, nada mudaria

Que a fome continuaria a ser fruto das barrigas vazias

Que as relações "capitalistas de esquerda", simples relação capitalista seria
Que as fábricas através de suas jornadas, ainda o homem adoeceria
E que, como hoje, este pobre e sem saúde envelheceria
Que os ricos continuariam a ficar mais ricos com a extração de mais valia
Que as crianças descalças e com fome, ainda se prostituiriam
Que operários e estudantes ainda protestariam, que o Estado ainda os reprimiria
Que as borrachadas ainda arderiam e a bala quando se abatesse contra o peito ainda mataria.

E que tudo só mudaria, por sua vez,
Destruindo a sociedade de classes
E o Estado burguês

III

Mas deixemos de lado os insanos, voltemos a lucidez

Todos sabem que a miséria relativa é necessária,
cuide pois para que os miseráveis não sejam vocês

Pacíficos e ordeiros filhos das cidades
Herdeiros da modernidade
Em nossa sína democrática
E nosso jeito civilizado, seguimos
E não se deixe enganar,
Já que nada, de fato decides,
Te resta portanto apenas se dedicar
A decidir quem por ti decidirá

Vamos nos embriagar de democracia
Todos sabem sem os (nossos) parlamentares
Nada cresceria e sem os (nossos) executivos
A própria noite jamais se faria dia

Não me venham com utopias
Todos sabem sem nossos mandatos a luta cessaria
Sem tomar o Estado burguês, nunca nós tornaríamos...
Hum-hum.. digo, nunca derrotaríamos a burguesia

Por isso conclamamos, bóias-frias e estudantes,
Homens e mulheres, pequenos-burgueses e proletários
Enfim toda a massa, (claro, a exceção dos baderneiros)
A mudar através do voto livre direto a realidade do mundo inteiro

...
A política, todos sabem,
É quem a tudo define
A miséria não cessa se não por decreto
E a fome só se acaba, se contra ela,
O parlamento assinar um veto
E tudo é uma questão de vontade política,
Secundário são os atos concretos
Portanto escolha o salvador,
Cuide para que seja eleito
E através de seu voto-livre-e-direto, assegure
Que a humanidade finalmente esteja no rumo certo

Fábio Che

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Como o diabo gosta

Não quero regra,
nem nada,
tudo tá como
o diabo gosta, tá...



Já tenho este peso que me fere as costas
e não vou eu mesmo atar minhas mãos...



O que transforma o velho no novo
bem-dito-fruto do povo será



E a única forma que deve ser norma,
é nenhuma regrar ter



É nunca fazer,
nada que o mestre mandar
sempre desobedecer,
nunca reverenciar





Belchior

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Desejo

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.

Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,

Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.

Victor Hugo.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Hino dos grevistas


É nosso dia companhiero,
Nosso e o trabalho de nossos mãos.

Nossas são as maquinas que movemos,
Nossos são os frutos da producão.

Avante vamos, os camaradas,

irmãos de classe, para lutar!


Parando as maquinas falaremos

e a nossa voz se ouvirá.


Avante classe operária
avante todos os oprimidos parando as máquinas e com estas
já caladas
no silêncio dos operários
que se ouça ogrito
é nosso dia camaradas...



(autoria: nossa classe)







terça-feira, 22 de julho de 2008

Contexto


Verdade...

tenho ainda o pesar

que se recosta em minh'alma

a culpa já repousa morta

segue-se a vida torta


Vento soprando nas vivendas da vida

por alamedas, ruas e avenidas

escorre d'alma vermelha, licor de sangue,

Abre-se do corpo as feridas


Ainda que de vida errante,

não permito-me tombar,

desatando em mais vida

no pomar das almas

com todo o mel e dor trazida
Fábio Che


segunda-feira, 14 de julho de 2008

Amizade


Quando conhecemos as pessoas
Aprendemos a percebe-las
Suas atitudes
Suas vicissitudes

Com o tempo e a convivência
Aprendemos a ter paciência
Com os defeitos
Com os trejeitos

Quando consideramos aquela amizade
Percebemos a cumplicidade
O carinho aumenta
A pessoa acrescenta

Ao chegarem os momentos de tensão
Recebemos sempre muita atenção
Ao aparecerem nossos erros
Recebemos sempre palavras duras e muitos conselhos

A amizade é como o amor
Têm pitadas de alegria e dor
É construída
É dividida
Mas, principalmente vivida.

Samara Marino

Os lábios quentes roçavam
úmidos na madrugada

o frio tocava a sua pele
eriçando os seus pêlos

E a pele em poesia
quando a boca calava
desabrochava dizendo nua
versos de arrepio

Pele de poesia viva
com seus pêlos estremecidos
pela brisa morna e sussurrante
treme e impacienta-se
a espera do toque redentor

entre delírios, suplicios
e medo

clama que aquele não seja
o ultimo beijo...

Mas em verdade, esse nem era
seu desejo


Fabio Che



quarta-feira, 25 de junho de 2008

Tempos modernos

Nestes tempos pós-pós-pós,
ou melhor ainda seria dizer,

sem delírios,
simplesmente
modernos

Caminhamos para onde,
aparentemente, o nada nos espera...
Entretanto muito embora as névoas
não se tenham dissípado,
os romantismos estão mortos
(Tal qual os romanticos, porém estes, ainda que mortos recusam-se a tombar)
e as ilusões não mais persistem
Mesmo sem "líderes", como estrelas,
para paternal e tuteladamente lhe guiar
se tiveres a búsola certa saberás se localizar

O que há de mais moderno continua
a ser produzido pelo punho humano- "arcaico" .
Tudo, tudo continua a ser fruto
do trabalho humano concreto,
e socialmente abstrato.


Em teu punho serrado,
de trabalho já cansado,
reside tudo o que existe de fato.



Fábio Che

quinta-feira, 13 de março de 2008

Despedida do educador


(Para o Fórum Nacional de Educadores- FNM)


Quando partes para a vida
parte da vida vai contigo.
Te sigo com o olhar triste
disfarçando a lágrima renitente.

Ensaio, ensimesmado, um sorriso...
Aceno displicentemente para que sigas
confiante e seguro
pelos caminhos que te levam para longe.

Observo-te sumindo na estrada
e guardo a imagem no vazio que deixas:
“faltou dizer-te que...”
sempre falta algo por dizer.

Apesar dos passos imprecisos
no fundo sei que estais pronto.
Fico aqui te acompanhando
pelos caminhos novos em que me levas.

Sim, estais pronto...
Aqui eu permaneço ao seu lado.
Aqui permaneço recomeçando,
como sempre... inacabado.


Mauro Iasi
2008

sexta-feira, 7 de março de 2008

1857

1857...

129 mulheres...
em 8...
em Março...
em Nova York...
eram em verdade 129 Rosas-vermelhas

Ardendo em Claras-chamas
e o fogo que queima corpos
de almas que entranham mundo
Transcendentes
trazem no peito cravada
a flama de vivas-chamas-ardentes

Alexandras

Marias

Kiandas

Vivamente furiosas
ardentes e intensas

Sagradamente profanas
quando odeiam e quando amam

Tudo fazem com gana
fúria que brota de dentro
e antes de brotarfeito feto,
ferve entranhada
em seu ventre

Determinação desenfreada
aos olhos vãos, insana
A mais perigosa das feraspois amor ou ódio
é aquela que dentro de si tudo gera

Ó meu bom patrãose teu Deus (de capital importancia)
quer sacrifícios???
Poi advertimos a ti então
-As mulheres
de nossa classe não moreram em vão

Morreram em tua fábrica 129,
prova de tua vileza
criastes assim a centelha que hoje
como Rosas-de-fogo
operárias de toda a humanidade inflama
Mulher operária para sempre resistente
ó burgues não te engana

Fábio Che



Clara Zetkin

Foi no bojo das manifestações pela redução da jornada de trabalho que 129 tecelãs da Fábrica de Tecidos Cotton, em Nova Iorque, cruzaram os braços e paralisaram os trabalhos pelo direito a uma jornada de 10 horas, na primeira greve norte-americana conduzida unicamente por mulheres. Violentamente reprimidas pela polícia, as operárias, acuadas, refugiaram-se nas dependências da fábrica. No dia 8 de março de 1857, os patrões e a polícia trancaram as portas da fábrica e atearam fogo. Asfixiadas, dentro de um local em chamas, as tecelãs morreram carbonizadas.
Durante a 2ª Conferência Internacional de Mulheres, realizada em 1910 na Dinamarca, a famosa ativista pelos direitos femininos, Clara Zetkin, propôs que o 8 de março fosse declarado como o Dia Internacional da Mulher, homenageando as tecelãs de Nova Iorque.

quarta-feira, 5 de março de 2008

O Dinheiro

(Diante florim, criança, não tenha medo
Pelo florim, criança, você deve ansiar.
Wedeckind)


Ao trabalho não o quero seduzir.
Para o trabalho o homem não foi feito.
Mas do dinheiro não se pode prescindir!
Pelo dinheiro é preciso Ter respeito!
O homem para o homem é uma caça.
Grande é a maldade do mundo inteiro.
Por isso junte bastante, mesmo com trapaça
Pois ainda maio é o amor ao dinheiro.
Com dinheiro, a você todos se apegam.
É tão benvindo como a luz do sol.
Sem dinheiro, os próprios filhos o renegam:
Você não vale mais que um caracol
Com dinheiro não precisa baixar a cabeça!
Sem dinheiro é mais difícil a fama.
Dinheiro faz com que o melhor aconteça.
Dinheiro é verdade. Dinheiro é fama.
O que seu bem disser, pode acreditar.
Mas sem dinheiro não busque seu mel.
Sem dinheiro ela será roubada.
Somente um cão lhe será fiel.
Os homens colocam o dinheiro em grande altura
Acima do filho de Deus, o Herdeiro.
Querendo roubar a paz de um inimigo já na sepultura
Escreva em sua laje: Aqui Jaz Dinheiro.


Bertolt Bracht

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Hotel Fratenité

Aquele que não tem com o que comprar uma ilha
aquele que espera a rainha de sabá na frente de um cinema
aquele que rasga de raiva e desespero sua última camisa
aquele que esconde um dobrão de ouro no sapato furado
aquele que olha nos olhos duros do chantagista
aquele que range os dentes nos carrocéisa
quele que derrama vinho rubro na cama sórdida
aquele que toca fogo em cartas e fotografias
aquele que vive sentado nas docas debaixo das gaivotas
aquele que alimenta os esquilos
aquele que não tem um centavoaquele que observa
aquele que dá socos na paredeaquele que grita
aquele que bebeaquele que não faz nada
meu inimigodebruçado sobre o balcão
na cama em cima do armário
no chão por toda parte
agachadoolhos fixos em mimmeu irmão


Hans Magnus Enzensberger

(tradução: Arnaldo Antunes)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Noite

Era ela negra, como a noite
e negra envolvia-me em laços
me revestia de seu calor,
e pernas e braços
Feito a noite, com seu negro manto,
de prazeres e encantos

Negra linda, negra noite

Desferia contra mim seu perfume
e seus beijos feito açoite
Sedutora como a noite que a lua cheia anuncia
e eu (que bohêmio por exelencia),
por meu turno, dentro dela me perdia

Linda negra, negra noite

Noite que me chegara inesperada
em pleno sol do meio-dia
e meu dia fez-se noite, linda e negra
que ébrio me fazia

Linda negra, negra noite
E sob o mento de negra-noite
negras-curvas, negros-olhos,
e os negros-cabelos,
que por teus ombros qual a noite caiam

Linda negra, negra noite
E entre os lábios noturnos
seu sorriso de estrelas
e o brilho que me luzia
A guiar-me por seu corpo
pelos doces seios, fértil ventre
grossas coxas
por sua fenda de noite ardente
e por seu beijo de noite fria

Linda negra, negra noite
Rainha-guerreira, deusa-africana
de classe-operária sua gana
e a estrada que que forjava
e para si mesmo fazia.

Ela negra qual a noite
e com seu manto me revestia
trazendo contida em sí
vento...

Furacão...

Tormenta...

e calmaria...



Fábio che


terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Tempos modernos

Pobre aleijão que ao
Direito procura
E que trôpego arrasta-se aos pés alheio,
Pelo solo rijo do cansaço almeja a cura,
Lambendo úmidas chagas, bruto e feio.
Estirado, roto e enfermo: o maltrapilho
Engalana a mediocridade deste milênio.
N'agonia da falência, o mutilado filho,
Virou enxerto posto que não foi gênio!
Árdua labuta, nula, mas intensa;
Mecanismos seletivos e binários
Desfazem-se do ser quando este pensa
E reluta à diretriz sisuda dos horários.
Tecnologia ou Ciência Moderna,
Seja qual for teu sintético pensamento,
Saiba que arranca do operário a perna
Ao suprir sua força com teu invento!

Flauto

Erva daninha

Eu sou erva daninha

Planta que brota das rachaduras
Gerando mais rachaduras
E destruindo todo o concreto
Que até ontem parecia invencível
Sou a semente do devir
Que esteve soterrada sob a calçada
Contenho em mim a árvore
Sou e não sou semente ao mesmo tempo
Pois já sou planta, sou flor, sou fruto
Sou a floresta que há de brotar amanhã
Em todas as rachaduras
De teu concreto, sobrará poeira
De teu asfalto, o pedrisco
De tuas pedras, os pedaços
De tua suposta eternidade,
a impermanência
De teu império, a ruína



Don Paulo Quixote

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A volta do beija-flor

Vai tira o destino na sorte
parte em passo quebrado

feito gato preto na sombra
saltando alcova e telhados
chega como um velho freguez

com seu estandarte aberto
alegrando os corações
jogados do lar pros butecos

abre o pátio ardento do povo
chacoalhando feito um ganzé
explodindo feito um tufão
no carnaval da ida sem ré
Edson Neves


(Valeu-velho-irmão!!!)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Passos leves


Quando chove canivetes
aproveito pra descascar laranjas

Quando alguém me diz -Adeus!
Dai eu digo -Você quem manda!

Em meio a crianças
(não me rogo)
danço cirandas

Quando o carro quebra, sigo à-pé
pelas estradas, dou umas bandas

Procuro não me estressar com nada
Nem mesmo com
a classe-sem-classe-hoje-calada

Mas sempre de olho nos bambas
dai quando o vento soprar,
quando a banda tocar,
de certo estou pronto pro Samba...

Fábio Che

Ana Teresa

E era Ana Teresa
dotada de inaldita beleza

Com seus seios...de pele alva,
bicos duros, perfumados,
consistentes e macios como que
duas pêras, uma dádiva da natureza

Com seus castanhos cabelos...
cujo perfume se podia sentir a uma légua
caídos sobre o rosto,
feito crína de selvagem égua

E suas costas delicadas
E suas largas ancas
E sua bunda que parecia
duas colinas brancas

Olhar que perdido no espaço
combinava ao leve gingado
dos quadris em seus felinos passos

Um corpo em brasa, faíscas e centelhas
e suas delicadas mãos de unhas vermelhas

E suas pernas torneadas...
que eu preferia escancaradas
exibindo um sexo, de finos lábios
e poucos pêlos
destacando seu suculento e saliente grelo

E seus traços de inocência. Contraste!
Com seu sorriso de prazer beirando a indecência
Ana Teresa... Sagacidade!
Castração da castidade!

Por vezes ainda sinto entre os dentes
o sabor de tua carne.

Walter F. Sampaio

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Samba e amor

Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã
Escuto a correria da cidade, que arde
E apressa o dia de amanhã

De madrugada a gente ainda se ama
E a fábrica começa a buzinar
O trânsito contorna a nossa cama, reclama
Do nosso eterno espreguiçar

No colo da bem-vinda companheira
No corpo do bendito violão
Eu faço samba e amor a noite inteira
Não tenho a quem prestar satisfação

Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito mais o que fazer
Escuto a correria da cidade, que alarde
Será que é tão difícil amanhecer?

Não sei se preguiçoso ou se covarde
Debaixo do meu cobertor de lã
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã

Chico Buarque de Olanda

Uma dama em minha cama

Chegou com olhar firme e passos
timidamente determinados
em minutos entrelaça-mo-nos os lábios

E o ballet das línguas
E a dança das mãos
O entrelaçar dos dedos

Os corpos que buscavam o encaixe perfeito
O vagabundo e a dama
entrelaçados
rolaram até a cama

Dai o "jogo do despir"
(os dois qual criança com novo brinquedo)
tirar as roupas, a cada milímetro
desvendando segredos
todos minuciosamente
examinados
devassados
por olhos,
boca,
língua,
e dedos

Olhares de tesão arrojados
mãos que seguravam um ao outro
como quem segura
para que de ti não fuja o pecado

A canção dos suspiros
a ser lapidada
por bocas secas e línguas molhadas

Seu corpo estendido na cama
o umidecer dos dedos
no sexo molhado da dama,
em silêncio de noite calada
que só os gemidos profanavam

Em nossos corpos o fogo ardia
em nossas bocas
o sexo alheio de tão quente,
dava a impressão que derretia

E ao penetrar em tal dama sentia
(eu que não rendo tributos a magia)
como que surgido um Sol na noite
e uma Lua-cheia ao meio dia

E a rígida dança dos corpos
E o ballet da primavera
ou ainda a primitiva-dança-da-vida
que a natureza perpetua através das eras

Suas unhas em minhas costas cravadas
seus cabelos que minhas mãos seguravam
seu sexo preenchido a cada estocada
e os urros selvagens que o ar habitavam
no auge da euforia o gozo,
que de tão intenso,
intensidade não definia

Hora estava a dama a meu lado
outrora presente sua ausência se fazia
e partira como chegara,
assim como
o primeiro filme-álibi
que
nunca terminara...

Walter F. Sampaio

Aula de vôo

O conhecimento
caminha lento feito lagarta.
Primeiro não sabe que sabe
e voraz contenta-se com cotidiano orvalho
deixado nas folhas vividas das manhãs.

Depois pensa que sabe
e se fecha em si mesmo:
faz muralhas,
cava Trincheiras,
ergue barricadas.
Defendendo o que pensa saber
levanta certeza na forma de muro,
orgulha-se de seu casulo.

Até que maduro
explode em vôos
rindo do tempo que imagina saber
ou guardava preso o que sabia.
Voa alto sua ousadia
reconhecendo o suor dos séculos
no orvalho de cada dia.

Mas o vôo mais belo
descobre um dia não ser eterno.
É tempo de acasalar:
voltar à terra com seus ovos
à espera de novas e prosaicas lagartas.

O conhecimento é assim:
ri de si mesmo
E de suas certezas.
É meta de forma
metamorfose
movimento
fluir do tempo
que tanto cria como arrasa

a nos mostrar que para o vôo
é preciso tanto o casulo
como a asa


Mauro Iasi

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Ultimo dia

Meu amor
O que você faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?
Ia manter sua agenda
De almoço, hora, apatia?
Ou esperar os seus amigos
Na sua sala vazia?
Meu amor
O que você faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?
Corria pr'um shopping center
Ou para uma academia?
Pra se esquecer que não dá tempo
Pro tempo que já se perdia?
Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?
Andava pelado na chuva?
Corria no meio da rua?
Entrava de roupa no mar?
Trepava sem camisinha?
Meu amor
O que você faria?
O que você faria?
Abria a porta do hospício?
Trancava a da delegacia?
Dinamitava o seu carro?
Parava o tráfego e ria?
Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?
Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz ...
o que...
você...
faria???

Paulinho Mosca

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Mais do Mesmo???

PREFÁCIO
"Estudantes insatisfeitos ocupam universidade
exigindo contratação de mais professores,
a real construção de mais salas de aula
além de reformas em sua gestão.
A reitoria logo chama a polícia que violentamente
desaloja os manifestantes.
"(Notícia de maio de 68 em Sorbonne, Paris)

Maios do mesmo?

Meus professores
sempre falaram
com fogo nos olhos
de 68..
E agora falam
com fogo no rabo
deste maiode 2007.

POSFÁCIO
"Vivemos há muitos anos uma vida política nacional
dePlena Democracia e de Estado de Direito.
A atuação predatória de cidadãos que gozam deprivilégios,
ao promover invasão de espaço público,
constranger servidorese impedir atividadesadministrativas,
de ensino e pesquisa desta Universidade,
constitui ação de má-fé que extrapola os limites dalei,
tangenciando ocrimecomum.
"(Abaixo-assinado de professores das univ.
públicas paulistasmaio de 2007 contra os estudantes que ocuparam diversas
universidades em protesto contra os decretos do governadorSerra no estado de São Paulo, Brasil)
Jeff

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Leão do Norte

Sou o coração do folclore nordestino
Eu sou Mateus e Bastião do Boi Bumbá
Sou o boneco do Mestre Vitalino

Dançando uma ciranda em Itamaracá
Eu sou um verso de Carlos Pena Filho
Num frevo de Capiba
Ao som da orquestra armorial

Sou Capibaribe
Num livro de João Cabral
Sou mamulengo de São Bento do Una

Vindo no baque solto de Maracatu
Eu sou um alto de Ariano Suassuna
No meio da Feira de Caruaru
Sou Frei Caneca do Pastoril do Faceta
Levando a flor da lira

Pra nova Jerusalém
Sou Luis Gonzaga
E eu sou mangue também
Eu sou mameluco, sou de Casa Forte
Sou de Pernambuco, sou o Leão do Norte
Sou Macambira de Joaquim Cardoso
Banda de Pifo no meio do Canavial
Na noite dos tambores silenciosos
Sou a calunga revelando o Carnaval
Sou a folia que desce lá de Olinda
O homem da meia-noite puxando esse cordão
Sou jangadeiro na festa de Jaboatão
Eu sou mameluco, sou de casa forte,
sou de Pernambuco
eu sou um Leão do Norte...


Lenine

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Ode ao burguês

Eu insulto o burgês!
O burguês-níquel, o burguês-burguês! A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva!
o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas! os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros! que vivem dentro de muros sem pulos, e gemem sangues de alguns mil-réis fracos para dizerem que as filhas da senhora falam o francês e tocam os "Printemps" com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros! Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais o êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais
Morte ao burguês-mensal! ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa!
Morte viva ao Adriano! "
_ Ai, filha, que te darei pelos teus anos? _ Um colar...
_ Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares!
Morte à infâmia! Ódio à soma!
Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso!
Eia! Dois a dois! Primeira posição!
Marcha! Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto!
Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos, cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho!
Ódio fecundo!
Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...
Mário Raul de Morais Andrade

Mago das mágoas

Pois venho no vento
de um lago sem águas
sou poeta viajante
o mago das mágoas
navegante
de um lago de rimas
A quem chamo
carinhosamente
de lágrimas


Leandro Walquer