sexta-feira, 26 de maio de 2017

SEGURANÇA NACIONAL

Tento levantar a tampa,
é lógico: a tampa
que fecha a minha caixa.
Não é um caixão, isso não,
é um pacote, uma cabina,
numa palavra: uma caixa.
Vocês sabem exatamente o que quero dizer
dizendo caixa,
não banquem os bobos,
apenas falo em
uma caixa normal e corrente,
também não mais escura que a sua.
Portanto, quero sair, bato,
martelo contra a tampa
suspiro: Mais luz, respiro
com dificuldade, é lógico,
golpeio com força contra a fresta. Está bem.
Mas por motivos de segurança está fechada,
a minha caixa, ela não se abre,
a minha caixa de sapato tem uma tampa,
mas é bastante pesada essa tampa,
por motivos de segurança,
porque se trata aqui
de um recipiente, de uma arca de aliança,
de um cofre. Não consigo.
A libertação se consegue, é lógico,
apenas com forças unidas.
Mas por motivos de segurança
estou sozinho comigo na minha caixa,
na minha própria caixa.
A cada um o seu! Para escapar,
com as forças unidas, da própria caixa,
eu já deveria, é lógico,
haver escapado da própria caixa
e isso vale, é lógico,
para todos.
Portanto pressiono a tampa
com minha própria nuca. Agora!
O espaço de uma fresta! Ah! Ali fora,
grandiosa, a ampla paisagem
coberta de latas, galões,
enfim, de caixas, e atrás delas
as ondas verdes que se balançam afoitas,
lacradas por malas à prova de mar,
as nuvens numa altura inaudita
acima, e por toda parte, toda, o ar!
Deixem-me sair, grito, portanto,
afrouxando, contra toda evidência,
a língua saburrosa, coberto de suor.
Fazer o sinal-da-cruz, nem pensar!
Acenar, não dá, as mãos não estão livres.
Cerrar o punho, impossível.
Portanto, me pesa, eu chamo,
expresso meu pesar, ai de mim!,
meu próprio pesar,
enquanto com um plup abafado
a tampa se fecha de novo,
por motivos de segurança,
sobre mim.

(Hans Magnus Enzensberger, Alemanha, 1929)

(Tradução de Kurt Scharf; Armindo Trevisan)

Passado moderno

Antigamente era engraçado, vivíamos na modernidade, sabe?
O mundo era dividido em duas classes, a dos que detinham os meios necessários a produção da vida, e a dos que só possuíam força de trabalho, dai para sobreviver tínhamos de vende-la assalariadamente, para ficar vivo e eternamente fazer a mesma merda.
Dai era assim, os que tinham sorte, tinham emprego e viviam na maior pindaíba, pensando em viver melhor, enquanto, de fato, enriqueciam diariamente a outra classe com seu trabalho e sua miséria.
Já os que não tinham sorte, ficavam no percentual da humanidade que não conseguia comer, beber, morar e vestir, tipo os mais fudidos, sabe?
Nessa época distante, os que eram dominados, estavam tão sob controle que se dividiam em dois grupos, os que defendiam a ordem integralmente (direita), e os que defendiam-na parcialmente (esquerda).
Na modernidade, haviam classes sociais e todos viviam do trabalho, uns viviam do próprio trabalho e outros vivam do trabalho alheio.
E isso alienava e des-humanizava a humanidade.
E sofríamos toda sorte de segregações, opressões e preconceitos decorrentes da sociedade de classes.
Por sorte veio a pós modernidade, a sociedade da informação, o agir comunicativo, o fim das classes e da sociedade do trabalho e tudo mudou... Ahhhhhh Que lindo!!!
Como é bom olhar para trás e ver que tudo isso ficou no passado.
Viva o fim da modernidade... VIVA!!!
(Massari)


Falas do silêncio

(Sobre classes e comunicação)

Ele chegou calado,
suas mãos calejadas
disseram rudemente.
“Eu trabalho.”

Ela chegou e calada
com seu corpo suado
envolto em trapos.
Seu olhar cansado
disse:
“Eu, trabalho”.

Outro chegou
e com sua roupa elegante,
seu jeito culto.
seu agradável perfume,
vindo de muito distante
disse com sua face rosada
“Eu não.”

Não com os músculos,
porém, trabalho ainda mais,
penso, planejo
formulo, dirijo,
coordeno, organizo.

Disse em alto
e bom tom,
com sua fala mansa
e desenvolta:
“Eu falo”.

Calo,
por ter calos
falo pouco,
pois muito
trabalho.

Por não trabalhar,
fluentemente falo
ou ainda, bem falo
porque, por mim
outros tantos
muito trabalham.

Prestem sempre
muita atenção,
nas palavras do silêncio
que cercam sua vida

Mãos falam
cheiros e odores
falam, calos falam
os corpos falam
sobretudo lembre
muito falam as feridas



Fábio Francisco


terça-feira, 16 de maio de 2017

No meio do vendaval, você

Olho em torno, Fatos a consumar As contas, com seus prazos As tarefas, em atraso A teoria, Por produzir O trabalho, por vender A briga, por comprar O curso, por realizar O ensaio, por fazer As fotos, Por editar O mundo novo, por construir O flerte, por realizar Os amigos, por rever O poema, Por finalizar Os filhos, por regar O jantar, por fazer A música, por ouvir O tesão, por aplacar Todo nosso amor, por viver Em outra situação me desesperaria Mas com você ao meu lado Tudo segue leve A tormenta vira calmaria Afinal, é só a vida. Tudo pode esperar O ritmo manhoso De nossa discreta e preguiçosa alegria (Massari)


segunda-feira, 15 de maio de 2017

Estações

Minhas folhas se foram no outono
Agora começa o inverno
E sei será demasiado fria 
A minha existência
Nesta estação
Mas também sei 
Que após o frio virá 
A primavera
E vou me enfeitar 
De vida
Radiante 
Brotarão
Folhas 
Novas
Assim sei que 
Nada é em vão
Estarei plenamente refeita 
Até o próximo verão

Yolanda Vasquez


domingo, 14 de maio de 2017

A moça

Com seus beijos 
longos e suspirados
nada me cobra
busca apenas
por prazer
sem valor
sem troca
sua boca fala
o amor em
muitas línguas
passeia lenta
por meu corpo
que tudo cala
sutil me toca
intensamente
me provoca
(Walter Sampaio)




sexta-feira, 12 de maio de 2017

Para minha amada

Poemas ardentes
na madrugada
suspiros na casa surda
gemidos na noite calada
gosto é de tocar-te o ventre
recitar-te ao ouvido
versos quentes
saboroso
como tua carne
entre meus dentes

(F. Massari)

Chamas...

Tu 
me 
chamas 
E as chamas parecem já terem consumido tudo
o pouco que sobrou de nós sob efeito das chamas 
do tempo, agora parecem escombros da fortaleza doutrora 
Eu te chamo
Tu me chamas 

Não percebendo que o tempo de nós dois já passou 
chamuscado vejo as lágrimas caírem ao solo 
em meio as cinzas do que fora nossa vida outrora
Chamas 

Chamo 
Chamas
Mas em meio aos escombros e cinzas, não 
conseguimos mais nos ouvir, não há nada de errado 
a vida apenas segue seu curso, como o vento 
seu curso 
Chamas 
Chamo 
Chamas 
Tolice acreditar que algo pode resistir ao próprio
desenvolvimento
  ao fluir, a ação do tempo, 
as transformações, a seu próprio movimento
Chamas 
Chamo 
Chamas 
De tudo que tínhamos a dizer restou apenas silêncio 
meus lábios surdos seguram, as palavras não ditas
na mente atordoada, levarei a saudosa lembrança

Chamas 
Chamo 
Chamas 
De teu mais apaixonado beijo, hoje a solidão toma lugar a mesa
lembro de um tempo em que o mundo "não importava" éramos 
tu e eu consumidos por outras chamas, desejos, beijos e esperanças...
Chamas 
Chamo 
Chamas
Talvez sigamos recordando e inutilmente chamando um ao outro
talvez o chamado não resista as primeiras esquinas,
sejamos ouvidos por outros aflitos, meninos, meninas
Chamas
Chamo

Chamas
em meio as ruidosas e imprecisas estradas, que nos reserva a vida 
vejo todo o, agora passado se consumir en(em)quanto chamas
Chamas
Chamo

Chamas

(Walter Sampaio)