domingo, 5 de dezembro de 2010

Uma dama em minha cama



Chegou com olhar firme e passos
timidamente determinados
em minutos entrelaça-mo-nos os lábios

E o ballet das línguas
E a dança das mãos
O entrelaçar dos dedos

Os corpos que buscavam o encaixe perfeito
O vagabundo e a dama
entrelaçados
rolaram até a cama

Dai o "jogo do despir"
(os dois qual criança com novo brinquedo)
tirar as roupas, a cada milímetro
desvendando segredos
todos minuciosamente
examinados
devassados
por olhos,
boca,
língua,
e dedos

Olhares de tesão arrojados
mãos que seguravam um ao outro
como quem segura
para que de ti não fuja o pecado

A canção dos suspiros
a ser lapidada
por bocas secas e línguas molhadas

Seu corpo estendido na cama
o umidecer dos dedos
no sexo molhado da dama,
em silêncio de noite calada
que só os gemidos profanavam

Em nós o fogo ardia,
em nossas bocas
o sexo alheio de tão quente,
dava a impressão que derretia

E ao penetrar em tal dama sentia
(eu que não rendo tributos a magia)
como que surgido um Sol na noite
ou Lua-cheia ao meio dia

A rígida dança dos corpos
E o ballet da primavera
ou ainda a primitiva-dança-da-vida
que a natureza perpetua através das eras

Suas unhas em minhas costas cravadas
seus cabelos que minhas mãos seguravam
seu sexo preenchido a cada estocada
e os urros selvagens que o ar habitavam
no auge da euforia o gozo,
que de tão intenso,
intensidade não definia

Hora estava a dama a meu lado
outrora presente sua ausência se fazia
e partira como chegara,
assim como
o primeiro filme-álibi
que
nunca terminara...


Fábio

Eu pra mim é pouco


E então, que quereis?
Fiz ranger as folhas de jornal abrindo-lhes as pálpebras piscantes. E logo de cada fronteira distante subiu um cheiro de pólvora perseguindo-me até em casa. Nestes últimos vinte anos nada de novo há no rugir das tempestades. Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da história é agitado. As ameaças e as guerras havemos de atravessá-las, rompê-las ao meio, cortando-as como uma quilha corta as ondas. (1927) (Maiakóvski)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Desdobramentos


Quando os indivíduos depuseram as armas
os corpos se entrelaçaram
Após o amor depôr as armas
a paixão já era finda
As mãos em pala procuravam a saída do vazio
mas o vazio era tudo o que encontravam
Ela o amava, tanto quanto ele a ela
mais de tanto temer a morte do amor
a este mataram de tédio

Fábio F. Massari

“Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro”


Bertolt Bracht

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Quadrilhas


A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia
Pra ver Maria
A gente almoça e só se coça e se roça e só se vicia
A porta dela não tem tramela
A janela é sem gelosia
Nem desconfia
Ai, a primeira festa, a primeira fresta, o primeiro amor
Na hora certa, a casa aberta, o pijama aberto, a família
A armadilha
A mesa posta de peixe, deixe um cheirinho da sua filha
Ela vive parada no sucesso do rádio de pilha
Que maravilha
Ai, o primeiro copo, o primeiro corpo, o primeiro amor

Vê passar ela, como dança, balança, avança e recua
A gente sua
A roupa suja da cuja se lava no meio da rua
Despudorada, dada, à danada agrada andar seminua
E continua
Ai, a primeira dama, o primeiro drama, o primeiro amor

Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo
Que amava Juca que amava Dora que amava Carlos que amava Dora
Que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava
Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava
a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha

(Chico)

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história (Drumont)

Negro amor


Vá, se mande, junte tudo que você puder levar
Ande, tudo que parece seu é bom que agarre já
Seu filho feio e louco ficou só
Chorando feito fogo à luz do sol
Os alquimistas já estão no corredor
E não tem mais nada negro amor
A estrada é pra você e o jogo é a indecência
Junte tudo que você conseguiu por coincidência
E o pintor de rua que anda só
Desenha maluquice em seu lençol
Sob seus pés o céu também rachou
E não tem mais nada negro amor
E não tem mais nada negro amor
Seus marinheiros mareados abandonam o mar
Seus guerreiros desarmados não vão mais lutar
Seu namorado já vai dando o fora
Levando os cobertores? e agora?
Até o tapete sem você voou
E não tem mais nada negro amor
E não tem mais nada
Negro amor
As pedras do caminho deixe para trás
Esqueça os mortos eles não levantam mais
O vagabundo esmola pela rua
Vestindo a mesma roupa que foi sua
Risque outro fósforo, outra vida, outra luz, outra cor
E não tem mais nada negro amor

Bob Dylan

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Sufrágio universal


I

A política, todos sabem,
É quem a tudo define

A miséria não cessa se não por decreto
E a fome só se acaba, se contra ela,
O parlamento assinar um veto
E tudo é uma questão de vontade política,
Secundário são os atos concretos


Portanto escolha o salvador,
Cuide para que seja eleito
E através de seu voto-livre-e-direto, assegure
Que a humanidade esteja finalmente no rumo certo


II

Entretanto meus amigos,
Há infames que nada sabem
Acerca do que lhes digo

Negam que "A voz do povo é a voz de Deus"
Antes fossem apenas ateus, mas
negar-se a democracia???
Vândalos, baderneiros homens de alma vazia.

Propagam indubitável uma blasfema-heresia
Dizem que o Estado-Burguês é autônomo,
E que sob direção de esquerda ou de direita, nada mudaria

Que a fome continuaria a ser fruto das barrigas vazias

Que as relações "capitalistas de esquerda", simples relação capitalista seria
Que as fábricas através de suas jornadas, ainda o homem adoeceria
E que, como hoje, este pobre e sem saúde envelheceria
Que os ricos continuariam a ficar mais ricos com a extração de mais valia
Que as crianças descalças e com fome, ainda se prostituiriam
Que operários e estudantes ainda protestariam, que o Estado ainda os reprimiria
Que as borrachadas ainda arderiam e a bala quando se abatesse contra o peito ainda mataria.

E que tudo só mudaria, por sua vez,
Destruindo a sociedade de classes
E o Estado burguês

III

Mas deixemos de lado os insanos, voltemos a lucidez

Todos sabem que a miséria relativa é necessária,
cuide pois para que os miseráveis não sejam vocês

Pacíficos e ordeiros filhos das cidades
Herdeiros da modernidade
Em nossa sína democrática
E nosso jeito civilizado, seguimos
E não se deixe enganar,
Já que nada, de fato decides,
Te resta portanto apenas se dedicar
A decidir quem por ti decidirá

Vamos nos embriagar de democracia
Todos sabem sem os (nossos) parlamentares
Nada cresceria e sem os (nossos) executivos
A própria noite jamais se faria dia

Não me venham com utopias
Todos sabem sem nossos mandatos a luta cessaria
Sem tomar o Estado burguês, nunca nós tornaríamos...
Hum-hum.. digo, nunca derrotaríamos a burguesia

Por isso conclamamos, bóias-frias e estudantes,
Homens e mulheres, pequenos-burgueses e proletários
Enfim toda a massa, (claro, a exceção dos baderneiros)
A mudar através do voto livre direto a realidade do mundo inteiro

...
A política, todos sabem,
É quem a tudo define
A miséria não cessa se não por decreto
E a fome só se acaba, se contra ela,
O parlamento assinar um veto
E tudo é uma questão de vontade política,
Secundário são os atos concretos
Portanto escolha o salvador,
Cuide para que seja eleito
E através de seu voto-livre-e-direto, assegure
Que a humanidade finalmente esteja no rumo certo

Fábio Che

Conselhos democráticos


Vote!!!

Vote consciente, vote certo
Vote por interesse,
Ou vote por protesto
Vote por crença,
Vote por afeição
Vote por amizade,
Ou por centralização
Vote!!!

Pouco importa qual sua razão
Vote!!!
Seja por ideologia, Seja em troca de pão
É chegado seu grande dia
Faça valer a democracia,
vote!!!
Exerça sua cidadania

Seja cordeiro,
Digo,
Seja ordeiro... e reto

Vote consciente, vote certo!!!

Independente ao resultado
Consolide a democracia
Exerça sua cidadania

As urnas cidadãos!!!

No dia X e na hora H,
Este é o seu momento
Sua (única) parte no espetáculo
Do "nosso" crescimento

Tenha em mãos números
E na cabeça um candidato
É, o seu momento, é sua grande cena
É de grande importância
Não tome por coisa pequena

Vote consciente, vote certo!!!
Depois volte pra casa
E deixe conosco o resto
Decidir os rumos da vida
Não é coisa de gente amena
Volte pro futebol, boteco
Loura-gelada e toda a sua alegria
Durma bem, e até outro dia

Daqui mais dois ou quatro anos
Te convidamos
Para outra grande festa
Mais um show de democracia

Fábio F Massari e Fernado Coelho

sexta-feira, 3 de setembro de 2010


Vazios são os dedos
secos de vida
Os olhos vazios de dor
a culpa se faz ausente

As alegrias mesquinhas são
a unica felicidade presente

O novo comemorado
não passa do velho reeditado
A nova bomba explode
em meio aos velhos gritos
A nova fome reforça os velhos ritos

Inertes assistimos
o que não parece finito
A esperança é relegada a um Deus
que nunca esteve vivo

Enquanto a humanidade morre
em guetos e praças
ninguém escapa
aquele que não morreu
segue débil e torto

Murmurando suas revoltas pelos cantos
esta vivo, está morto

Mortos vivos, sem fibra
nem autonomia, revoltos
pós-modernos verborrágicos

reinteram suas esperanças nas diversidades
nos intermináveis debates, nas lutas pacíficas
suas revoltas vazias tem como teto a democracia


O novo comemorado
não passa do velho reeditado
A nova bomba explode
em meio aos velhos gritos
A nova fome reforça os velhos ritos

Divina Comédia Humana



Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol
Quando você entrou em mim como um Sol no quintal
Aí um analista amigo meu disse que desse jeito
Não vou ser feliz direito
Porque o amor é uma coisa mais profunda que um encontro casual
Aí um analista amigo meu disse que desse jeito
Não vou viver satisfeito
Porque o amor é uma coisa mais profunda que um transa sensual
Deixando a profundidade de lado
Eu quero é ficar colado à pele dela noite e dia
Fazendo tudo de novo e dizendo sim à paixão morando na filosofia
Eu quero gozar no seu céu, pode ser no seu inferno
Viver a divina comédia humana onde nada é eterno
Ora direis, ouvir estrelas, certo perdeste o senso
Eu vos direi no entanto:
Enquanto houver espaço, corpo e tempo e algum modo de dizer não
Eu canto

Belchior

Toledo



Eram dois...
eram ele e ela
dois, em uma
barraca pequena
ela por ele
em cima
ele dentro
embaixo
atrás
ao lado
dentro dela
ela gemia
ele sorria
e gozava
ela gritava
ele batia
ela provocava
ele puxava-lhe os cabelos
e ela inclinava
ainda mais as ancas
giros fortes
ela
ele
dentro dela,
apenas os dois.
Há 40 graus
então tudo muda
ela por cima
o comia
dizia mexe
dizia goza
ela por cima
dele, gozava
ele dentro dela
ela pedia
dizia mete
dizia fode
mandava nele
e ele só fazia
o que ela queria.
gozos insanos
no limite da luxúria
e da ousadia
Assim os dias tornavam-se noites
e as noites outra vez
viravam dia

Aulas de Vôo


Aula de Vôo

O conhecimento
caminha lento feito lagarta.
Primeiro não sabe que sabe
e voraz contenta-se com cotidiano orvalho
deixado nas folhas vividas das manhãs.

Depois pensa que sabe
e se fecha em si mesmo:
faz muralhas,
cava Trincheiras,
ergue barricadas.
Defendendo o que pensa saber
levanta certeza na forma de muro,
orgulha-se de seu casulo.

Até que maduro
explode em vôos
rindo do tempo que imagina saber
ou guardava preso o que sabia.
Voa alto sua ousadia
reconhecendo o suor dos séculos
no orvalho de cada dia.

Mas o vôo mais belo
descobre um dia não ser eterno.
É tempo de acasalar:
voltar à terra com seus ovos
à espera de novas e prosaicas lagartas.

O conhecimento é assim:
ri de si mesmo
E de suas certezas.
É meta de forma
metamorfose
movimento
fluir do tempo
que tanto cria como arrasa

a nos mostrar que para o vôo
é preciso tanto o casulo
como a asa


Mauro Iasi

terça-feira, 2 de março de 2010

Março


1857...
129 mulheres...
em 8...
em Março...
em Nova York...
eram em verdade
129 Rosas-vermelhas

Arderam em Claras-chamas
O fogo queimava corpos
de almas que entranham mundos
Transcendentes
trazem no peito dormente cravada
a flama de vivas-chamas-ardentes

Alexandras

Marias

Pagú’s

Kiandas

Vivamente furiosas
ardentes e intensas

Produtoras de vida
e de mercadorias
Exploradas no lar
e na mais valia

Fridas de mãos calejadas
Em nossas bandeiras estampadas


Sagradamente profanas
quando odeiam e quando amam
Tudo fazem com gana
fúria que brota de dentro
e antes de brotar, feito feto,
ferve entranhada em seu ventre

Determinação desenfreada
aos olhos vãos, insanas
a mais perigosa das feras
pois amor e ódio dentro de si tudo gera

Ó meu bom patrão se teu Deus
(de capital importancia) requer sacrifícios?

Advertimos a ti então
-As mulheres de nossa classe não morrerão em vão!!!

Morreram em tua fábrica 129,
prova de tua vileza
criastes assim a centelha
que como Rosas-de-fogo
operárias de todo o mundo inflamam

Outros outubros viram
E nossas meninas serão lembradas

Mulher operária
para sempre resistente
Ò burgues não te enganas

Fábio F. Massari

Clara Zetkin

Foi no bojo das manifestações pela redução da jornada de trabalho que 129 tecelãs da Fábrica de Tecidos Cotton, em Nova Iorque, cruzaram os braços e paralisaram os trabalhos pelo direito a uma jornada de 10 horas, na primeira greve norte-americana conduzida unicamente por mulheres. Violentamente reprimidas pela polícia, as operárias, acuadas, refugiaram-se nas dependências da fábrica. No dia 8 de março de 1857, os patrões e a polícia trancaram as portas da fábrica e atearam fogo. Asfixiadas, dentro de um local em chamas, as tecelãs morreram carbonizadas.
Durante a 2ª Conferência Internacional de Mulheres operárias, realizada em 1910 na Dinamarca, a famosa ativista pelos direitos femininos, Clara Zetkin, propôs que o 8 de março fosse declarado como o Dia Internacional da Mulher trabalhadora, homenageando as tecelãs de Nova Iorque.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Quando ostrabalhadores perderem a paciência


Quando os trabalhadores perderem a paciência

As pessoas comerão três vezes ao dia
E passearão de mãos dadas ao entardecer
A vida será livre e não a concorrência

Quando os trabalhadores perderem a paciência
Certas pessoas perderão seus cargos e empregos
O trabalho deixará de ser um meio de vida
As pessoas poderão fazer coisas de maior pertinência

Quando os trabalhadores perderem a paciência
O mundo não terá fronteiras
Nem estados, nem militares para proteger estados
Nem estados para proteger militares prepotências

Quando os trabalhadores perderem a paciência
A pele será carícia e o corpo delícia
E os namorados farão amor não mercantil
Enquanto é a fome que vai virar indecência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

Quando os trabalhadores perderem a porra desta paciência
Não terá governo nem direito sem justiça
Nem juizes, nem doutores em sapiência
Nem padres, nem excelências

Uma fruta será fruta, sem valor e sem troca
Sem que o humano se oculte na aparência
A necessidade e o desejo serão o termo de equivalência
Quando os trabalhadores perderem a paciência

Quando os trabalhadores perderem a paciência
Depois de dez anos sem uso, por pura obsolescência
A filosofia-faxineira passando pelo palácio dirá:
"declaro vaga a presidência"!!!


Mauro Luiz Iasi