domingo, 2 de setembro de 2018

A pequena vela no oceano

(Em 25 de novembro de 1917, logo após a revolução, os bolcheviques foram fragorosamente derrotados na única eleição que participaram, 17 milhões de votos para os SR (reformistas) e apenas 9 milhões para os bolcheviques, ainda assim os comunistas comemoraram o resultado, sabiam dos limites dos reformistas e pensaram "nosso plano vai bem", o povo estava armado)

Em nossos tempos sombrios
de muita fome e pouca luta
de muita dor e desenganos

Por vezes sentimo-nos 
como uma pequena vela
num gigantesco oceano

Como se a luta pelo fim
da fome e dos medos
não passasse de um engano

Como se conjunto dos esforços 
resultassem apenas numa pequena 
embarcação e um pedaço de pano

Mas na luta pelo pão fomos 
maioria em que momento
nestes árduos e longos anos?

Em 1917 quando a revolução
abalou o mundo, éramos maioria?
Ou isso não passa de um engano?

Por confiança, quando os trabalhadores se
puseram a mudar o mundo, reconheceram-nos
e generosamente ouviram nossos planos

Os trabalhadores juntos mudam o mundo
nós apenas fornecemos bússolas e planos, 
querer ser maioria sem revolução é insano

Apenas quando a realidade muda
as consciências podem ver o novo
o novo humano, um novo sol raiando

Evitemos nos perder em doces enganos
cuidemos para que quando a tempestade chegar
exista uma vela proletária no gigantesco oceano

A pequena jangada vermelha
carregada de anseios humanos,
bússolas e sonhos, desejos e planos

(Massari)

Fotografia: Victor Barau

domingo, 5 de agosto de 2018

Concreto e abstrato

Quando o pão é concreto
a fome torna-se abstrata,
a canção é mais doce, 
o por do sol mais radiante,
o afago é mais humano,
intensa é a alegria dos amantes.

Quando o pão é abstrato
e a fome se faz concreta,
o canto fraco e fúnebre,
o sol, calor repugnante,
apenas dor, desengano,
a saudosa paixão se faz distante.
Quando o pão é concreto
e a fome abstrata,
pelas ruas andam sorrisos,
alegria sincera flui barata,
se pode até pensar em paz.
Quando o pão é abstrato
a fome se faz concreta,
pelas ruas caminham avisos,
vasculhar lixo, catar lata,
e o ódio espalha-se fugaz.
(Massari)


quarta-feira, 11 de abril de 2018

Sobre a ação

Hemos de seguir lutando,
plantando futuros em solo árido,
até que brotem as sementes do amanhã, 
onde ao trabalhador pertença o pão,
e possamos colher os frutos
plantados por nossas mãos,
um tempo em que não se faça mais necessário
falar de revolução
(Massari)

Pintura: "O Quarto Estado", Giuseppe Pellizza da Volpedo (1901)


Edificar a vida

(se fazer concreto)

Cedo na civil construção
cimento misturava-se a
pensamentos

Cimento, concreto
concretos sentimentos

A fome era concreta
uma fome em obra
revolta em construção

Cimento, concreto
concreto fim da ilusão

A unidade pelo trabalho,
pela fome e miséria,
unidade do concreto

Cimento, concreto
concreto fim da solidão

1989, aos 12 anos, jovem força de trabalho, 
(ausente a atenuante legislação, sobra apenas a exploração)
construindo um hotel
na praia de Tamandaré

Cimento, concreto
concreta pedagogia de P-E

Trabalho, suor e fome coletivas
propriedade privada
no começo, juntos, sofríamos e trabalhávamos
depois, juntos, contra o sofrimento lutava-mos

Cimento, concreto
por fora
edificava a construção

Cimento, concreto
por dentro 
construía pensamentos, sensações e sentimentos

Concreto na obra, concreto no corpo, concreto na alma
ocupados em fazer a coisa, nem percebiam, que em mesma medida 
a coisa concretamente os fazia, com sua concreta pedagogia

Carrega o saco, traz areia, pega a pedra, põe a água,
mexe tudo, faz a massa, carrega concreto para teu patrão

Cimento, concreto
Trabalho, suor, sangue, sofrimento e cimento,
CONCRETO

Encerrado o hotel, novos negócios,
novas modalidades rentáveis, 
nova propriedade, os donos seguem ricos, 
os trabalhadores seguem miseráveis.

Ao consolidar-se, o tempo presente
deixa sementes pro futuro 
que hão de brotar, das rachaduras do real, 
dos prédios, asfalto e muros

Vida que segue concreta
miséria concreta
dor concreta
sentimentos concretos
pensamentos concretos
revolta concreta
organização concreta
ação concreta

Na construção do real, a vida edifica-se 
construindo pensamentos,
ações concretas,
em seu concreto movimento.

(Massari)


quarta-feira, 14 de março de 2018

Sementes de futuro

Nada há a colher no dia de hoje
nenhuma vitória se anuncia no horizonte, 
os seus se dividem entre iludidos e adormecidos
você está sozinho no fronte

O inimigo cada dia mais forte
a todos dirige, aponta o norte

Todas as tuas ferramentas foram destroçadas
não há mais manuais, não há mais nada 
sobrou apenas um método para nortear a estrada
arregaça as mangas, prepara-te para caminhada

Não existem mais cordas, apenas o poço 
onde esta o humano, para resgatar a humanidade, 
as cordas, que já existiram em abundância,
precisam ser, por nós, confeccionadas

Se ainda houver saída para o humano,
se houver o que colher, em 20, 50, 100 anos
dependerá do árduo trabalho revolucionário de hoje
é preciso plantar futuro, não cabem mais duvidas nem enganos

É preciso juntar os seus e buscar os novos
retomar conspiracoes noturnas
abandonar as ilusões "de urnas"
cerrar as grades, pular os muros

Rever os clássicos
fazer novos planos
plantar futuros

Lutemos por vida plena, ócio produtivo, 
operários sem patrão, em suma, emancipação
derrotados nossos sonhos reformistas
é hora de plantar sementes de revolução

(Massari)



Oito de março é só um dia

Borboletas, rosas, mariposas
Pedra, nuvens ou pão.
Mães, filhas, esposas,
Caminhos loucos ou sãos

Queimando nas fábricas
Ou na greve levantando as mãos
Chorando seus filhos mortos
Ou com fuzis fazendo a revolução

Estavam lá, visíveis ou não
Diziam alto o que queriam
Sendo ouvidas ou não
Gritavam, gritavam, gritavam

Temos muitos nomes para lembrá-las
Muitos sãos os nomes que esquecemos
Mas temos um dia, não é muito
Um dia é só o suspiro do ano

Mas temos um dia que é do mundo inteiro
E cada hora carrega seus minutos
Cada minuto carrega seus segundos
Cada segundo seu grão de tempo

Então se fez a mágica de podermos
Num dia só carregar todas elas
As que foram, as que virão
As que nasceram e que morrerão

As que já lutam e as que lutarão
E todas elas marcharão nas ruas
Vermelhas, rosas ou lilases
Os corpos serão seus, as casas serão suas

Até que os segundos enlouquecidos
Se tornem minutos que ardem em fogo
E as horas de canto e gritos
Possam converter um dia... um simples dia

... em infinito.

(Mauro Iasi)



Mercúrio

Mércurio Deus do mercado
não herdei teu delírio
podes seguir com teu fardo
a mim escolho o amor
no sonho de grandeza de teus filhos
não me terás a teu lado
das estrelas quero apenas sugar o brilho

(Massari)


Nua

Naquela casa nua
meu corpo se vestia
de musica e poesia

(Massari)

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Solidão em massa

Solitários em meio a multidão nas ruas
solidão em salas cheias
em meio a condução lotada
solidão familiar, quando se chega em casa
solidão a dois, quando junto a pessoa amada
na festa, solidão dançante 
no bar, solidão embriagada
jovens solitários na internet
velhos solitários nas praças
agregados em mesma desgraça
o sorriso cortês do atendente
fora cuidadosamente ensaiado

Seres civilizados de nossas cidades
a pergunta - Como vai?
é sempre retórica vazia

Assim como você, ninguém 
quer saber "quem é você", 
nem como foi seu dia

Cada qual em sua cápsula
de indivíduo, ser do capital
as massas solitárias lotam as cidades
a solidão que nos esmaga
e desfila por nossos parques, 
salas, shopping, casas e paisagens
é o triunfo do indivíduo,
réquiem da humanidade

(Massari)