quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Busca

Eu sempre estendi as mãos
para as borboletas...
Abria os braços
para o passado saudoso...
mas nunca tocaram em mim.

Hoje fiquei imóvel
e uma pousou no meu pé.

Fábio Rocha

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Greve

Quero uma greve onde vamos todos.
Uma greve de braços, pernas e cabelos,
uma greve nacendo em cada corpo.

Quero uma greve
de operários, de pombas
de choferes, de flores
de téquinicos, de crianças
de mádicos, de mulheres.

Quero uma greve grande,
que até o amor alcance.
Uma greve onde tudo se detenha,
o relógio das fábricas
o seminário, os colégios
o ônibus, os hospitais
a estrada, os portos.
Uma greve de olhos, de mãose de beijo.
Uma greve onde respirar não seja permitido,
uma greveonde nasça o silêncio
para ouvir os passos do tirano quer se marcha.

Gioconda Belli

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Sexo

Seja qual for o tema o que te importa é sexo
Seja alegria, angústia, choro, encanto ou dor
Seja de ausência, sonho, tara ou por complexo
Seja na cama, palco, escada, elevador


Está no leite fluido que escorreu do ralo
Está no olhar de sal de Jack, o Estripador
E vem do fundo da garrafa pro gargalo
Está no riso obrigatório ou no pavor
É o olhar de sal de Jack, o Estripador

Eu penso mais na tua pele e na tua língua
Do que na alma que teu olho me mostrou
É sem teu corpo que minha alma fica à míngua
É no teu seio que conserto o que quebrou

E quando falo da tua luz assim, quem dera
Ela acendesse em mim o santo que não sou
Mas ilumina em meu olhar o lhar da fera
Que entre tuas pernas carne sã despedaçou
É o olhar de sal de Jack, o Estripador

O que eu marquei na tua pele não se lava
Pode ser cheiro, hematoma ou cicatriz
É pelo sexo que meu sol te faz escrava
Quer seja santa, cidadã ou meretriz

Se perguntarem pelo irmão não me aponte
Pra disfarçar escreva na chuva com giz
Que minha faca desfibrou seu horizonte
Rasgando a pele da paisagem por um triz
É a escolha entre ser calma e ser feliz

Seja qual for o tema o que te importa é sexo
Seja cabala, umbanda, herói ou desertor
Seja loucura, de verdade ou tenha nexo
Seja ou não seja, seja o que for
Seja dançar no vento, areia ou tempestade
Seja no sonho seja no que despertou
Seja uma flor ou seja alguém na flor da idade
É o perdão ao lobo que te aboncanhou
É o olhar de sal de Jack, o Estripador


Oswaldo Montenegro

Pequena folha

Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

Pablo Neruda

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Subverso


Hoje não tenho forças
nem inspiração ou ainda vontade
para escrever um verso

Hoje não...
portanto escrevo um sub-verso
subversivo,
o que jamais submisso
hoje e só hoje
submetido
ou ainda
subsumido a ela

A bela, a rainha das feras

Hoje e só hoje
a tristeza não vai acabar
essa madrugada
sou solitário como a lua,
vazio como a rua, turbulento
e agitado como noite-de-bar

Hoje e só hoje
a alegria demente não vai me alcançar

Nessa noite, de certo não será em vão
como nunca outrora o fizera
olharei dentro do seu temível olhar
e á uma dança pedirei sua mão
essa noite, vou dançar com a solidão

Hoje não tem poésia
tudo é paixão
ou devo dizer...
tudo é frustração

Hoje é a dança da ausência
e a ausência da canção
o soneto do silêncio
com sua métrica vazia
e sua ausente melodia

Hoje é só sub-verso
submerso
suburbano
sub-humano

Surpreendente tal qual
o gostoso e indesejável
sentimento que comigo trago
amargo-o ao passo que trago-o
como a um cigarro,
prazerosa,
lenta
e docemente

E meu grito emudecido na madrugada
hoje e só hoje
ensurdece toda a cidade calada

Hoje praguejo contra
a vida e a morte
pois é noite de sub-verso
Hoje e só hoje é de solidão minha sorte.


F. Massari


quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Dançar...


Dançar com a ausência

aproveitar companhias

queimar com paixões

viver o instante

sem desistir de
mudar o mundo

Fábio Rocha

Sempre não é todo dia...

Eu hoje acordei tão só
Mais só do que eu merecia
Olhei pro meu espelho e há
Gritei o que eu mais queria
Na fresta da minha janela
Raiou, vazou a luz do dia
Entrou sem me pedir licença
Querendo me servir de guia
E eu que já sabia tudo
Das rotas da astrologia
Dancei e a cabeça tonta
O meu reinado não previa
Olhei pro meu espelho e há
Meu grito não me convencia
Princesa eu sei que sou pra sempre
Mas sempre não é todo dia
Botei o meu nariz a postos
Pro faro e pro que vicia
Senti teu cheiro na semente
Que a manhã me oferecia
Eu hoje acordei tão só
Mais só do que eu merecia
Princesa
Eu acho que será pra sempre
Mas sempre não é todo dia


Oswaldo Montenegro

Sempre não é todo dia

Eu hoje acordei tão só

Mais só do que eu merecia

Olhei pro meu espelho e há

Gritei o que eu mais queria

Na fresta da minha janela

Raiou, vazou a luz do dia

Entrou sem me pedir licença

Querendo me servir de guia

E eu que já sabia tudo

Das rotas da astrologia

Dancei e a cabeça tonta

O meu reinado não previa

Olhei pro meu espelho e há

Meu grito não me convencia

Princesa eu sei que sou pra sempre

Mas sempre não é todo dia

Botei o meu nariz a postos

Pro faro e pro que vicia

Senti teu cheiro na semente

Que a manhã me oferecia

Eu hoje acordei tão só

Mais só do que eu merecia

PrincesaEu acho que será pra sempre

Mas sempre não é todo dia


Oswaldo Montenegro

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Da sedução dos anjos


Anjos seduzem-se:

nunca ou a matar.

Puxa-o só para dentro de casa

e mete-lhea língua na boca

e os dedos sem fretePor baixo da saia

até se molharVira-o contra a parede,

ergue-lhe a saiaE fode-o. Se gemer,

algo crispadoSegura-o bem,

fá-lo vir-se em dobrado

Para que do choque no fim te não caia.

Exorta-o a que agite bem o cú

Manda-o tocar-te os guizos atrevido

Diz que ousar na queda lhe é permitido

Desde que entre o céu e a terra flutue

–Mas não o olhes na cara enquanto fodes

E as asas, rapaz, não lhas amarrotes.

Bertold Bracht

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Bom conselho


"Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado,
quem espera nunca alcança
Venha, meu amigo
Deixe esse regaço
Brinque com meu fogo
Venha se queimar
Faça como eu digo
Faça como eu faço
Aja duas vezes antes de pensar
Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade"
Chico Buarque de Olanda